quinta-feira, 23 de abril de 2015




O implicante e os replicantes

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É o sonho de consumo de qualquer grupo político ou econômico: ver a concorrência ser diariamente bombardeada e passar imune a qualquer crítica ou contraponto.
Muitos conseguem pelas vias tradicionais. E não é de hoje.
Quando ministro da Fazenda, Getúlio Vargas selou uma profícua e sincera amizade com Chateaubriand após intermediar, com um banqueiro gaúcho, um empréstimo milionário para o lançamento da revista O Cruzeiro. Chateaubriand amou-o por alguns meses e muitos contos de réis.
No varejo, há quem prometa mover uma guerra quando ouve falar em controle social da mídia, mas não poupa telefonemas para pedir cabeças de quem incomoda. Tradicionalmente, o conceito de ligação direta era construído com ligações diárias, almoços, visitas acompanhadas de assessores, homenagem aos fundadores com nomes de vias públicas, negociações de exclusivas, pronomes, primeiros nomes, intimidades disfarçadas de confiança. Não se pode dar dinheiro a jornalista que quer informação nem informação para jornalista que quer dinheiro, ensinava Antônio Carlos Magalhães, aparentemente generoso a uns e a outros.
Acontece que nem sempre é possível colocar a amizade à frente dos negócios - e a alma destes, mais do que a propaganda, é a história da credibilidade. Pela hierarquia da distribuição das informações é possível destacar ou não tratamentos especiais, mas um veículo tradicional não sobrevive se dispensar boas histórias. Por isso costumo dizer que, embora o tom do noticiário deva ser analisado com o devido distanciamento crítico, e à exceção dos panfletos de sempre, o acompanhamento diário dos fatos evitaria a profusão de fantasias multiplicadas em tempos de crise. Em outras palavras: ninguém que lê um jornal ou revista, conservadores ou não, mas minimamente sérios, sai por aí falando de capas inexistentes da Forbes, relações entre filhos de ex-presidentes com frigoríficos, malas de dinheiro para vencer a Copa do Mundo, morte de doleiros em dia de eleição ou relações de caciques políticos com anjos ou demônios.
O problema é que nem todos têm paciência ou repertório para ler historias com começo, meio, fim e contrapontos. Muitos preferem anjos e demônios presumíveis, resumíveis, disponíveis. Os gênios da comunicação oficial sabem disso. Descobriram que a indignação é seletiva e representa um manancial de votos.
Num país onde sobram broncas e falta paciência com partidos políticos ou imprensa livre, o mapa da mina atende pelo nome de “apartidarismo”. Ele presume e resume sem exigir muito da cabeça do interlocutor. “As pessoas passaram o dia inteiro colhendo trigo. Estão cansadas demais para chegar em casa e pensar”, dizem os produtores de cinema ao barrar um drama-cabeça do personagem de Woody Allen no filme Memórias.
No Brasil praticamente inexistem publicações dirigidas por partidos políticos. Não há revistas e jornais para se debater de forma clara propostas e conjunturas. Porque “partidário”, por aqui, é expressão pejorativa e, acomodados pela má-fama, seus dirigentes abriram mão de deixar claro quais apitos apitam. Preferiram dar a esmola sem dar o nome do santo. E falar em linguagem resumida - o grito - com um público considerável.
Alimentam, assim, implicantes e milhares de replicantes com mensalinhos para ajuda de custo e convicção. O sonho de consumo é construir ponte direta com quem, no futuro, já não precisará beber em outras fontes e descobrir, mais indignado com o noticiário do que com a noticia, que seus heróis aparelham estatais em troca de reforço no Caixa 1, compram apoio parlamentar para governar ou se reeleger ou constroem aeroportos públicos nos quintais da família. 
Em tempos de hiperinformação, poucos filtros e muita dispersão, a contrapropaganda paga soa mais eficiente do que painéis do leitor, caixas de outro lado ou espaço na terceira página. Nos sites e blogs aliados, implicantes jornalísticos ou jornalísticos implicantes, quase sempre não-declarados e quase nunca jornalismo, os infernos vendidos são sempre os outros - inclusive a tal da mídia, golpista ou chapa-branca a depender de onde surge a bronca.
Na vida em rede, sempre quando alguém dá alguma opinião sobre um fato, os puristas de plantão surgem aos montes para contestar sua credibilidade com o argumento de que jornalista deve ser imparcial. Errado. Jornalista deve ser honesto, e ser honesto é deixar claro, sempre que possível, o que pensa, como pensa, como se financia e como os fatos e formas de financiamento alteram ou não suas convicções. Todo o resto é ficção - ou convicção vendida no atacado e replicada no varejo.

Imagem:  Troll/ Kai Schreiber/Flickr






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