terça-feira, 31 de março de 2015


Caminho da proposta que reduz a maioridade penal é longo; confira


Leia mais em:http://zip.net/bpq2mV
  • Proposta ainda precisa ser aprovada pelo Congresso
A aprovação da admissibilidade da PEC (Proposta de Emenda Constitucional) é apenas o primeiro passo para que a redução da maioridade penal possa virar lei. Diante da complexidade da matéria, é praticamente impossível estimar quanto tempo isso poderá demorar.
Alguns parlamentares dizem que todo esse trâmite pode durar, pelo menos, dois anos. Para que ela possa vigorar, a proposta ainda deverá passar por pelo menos três fases distintas. Confira:

Comissão Especial

A Câmara dos Deputados vai criar uma comissão especial para discutir o conteúdo da PEC. As discussões poderão ser feitas por até 40 sessões do Plenário com direito a audiências públicas e convocações de autoridades sobre o tema. Ao final do prazo de discussão, a comissão deverá apresentar um parecer, que será posto em votação no Plenário da Câmara.

Votações na Câmara

Depois de discutida na comissão especial, a PEC deverá ser votada em dois turnos no Plenário da Câmara dos Deputados. Deverá haver um intervalo de cinco sessões entre uma votação e outra. Para ser aprovada, a PEC deve ter o voto favorável de pelo menos 308 deputados (3/5 dos parlamentares) em cada um dos turnos.

Votações no Senado

Depois de aprovada na Câmara, a PEC será encaminhada ao Senado. Lá, a proposta deverá ser analisada pela CCJ (Comissão de Constituição do Senado), da mesma forma como foi analisada pela CCJ da Câmara. Caso seja considerada admissível pela CCJ do Senado, a PEC vai para votação no Plenário em dois turnos. Para ser aprovada, a PEC precisa ter o voto favorável de pelo menos 49 senadores.
Se o texto aprovado pelo Senado for o mesmo aprovado pela Câmara, a PEC pode ser promulgada e passará a vigorar. Caso o texto aprovado no Senado tenha sofrido alterações em relação ao da Câmara, a PEC voltará à Casa. A PEC só poderá ser promulgada quando a as duas Casas votarem exatamente o mesmo texto.  A alteração da maioridade penal ainda pode ser questionada no STF (Supremo Tribunal Federal).
Leia mais em: http://zip.net/bpq2mV







roposta que prevê a redução da maioridade penal avança na Câmara


Leia mais em: http://zip.net/bpq2mx



Deputados e manifestantes comemoram aprovação da proposta


Deputados e manifestantes comemoram aprovação da proposta
Leia mais em: http://zip.net/bpq2mx


A CCJ (Comissão de Constituição de Justiça) da Câmara dos Deputados aprovou, nesta terça-feira (31), a proposta que reduz a maioridade penal de 18 para 16 anos de idade. Agora, a Câmara criará uma comissão especial para analisar a PEC (Proposta de Emenda Constitucional). Só depois de ser votada duas vezes no Plenário da Câmara e de passar pelo Senado, também em dois turnos, é que a proposta poderá virar lei. A tramitação da PEC ainda pode ser questionada no STF (Supremo Tribunal Federal).
Caso a proposta aprovada e promulgada pelo Congresso, jovens de 16 e 17 anos de idade poderão responder e ser punidos criminalmente da mesma forma que adultos, seguindo o Código Penal, e não mais seguindo as normas do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente). 
A votação da admissibilidade da PEC na CCJ encerrou uma polêmica que se arrastava por 22 anos, uma vez que a proposta foi apresentada em 1993. A maioria dos deputados da comissão, composta em grande parte por parlamentares ligados à Frente Parlamentar da Segurança Pública, conhecida como a "Bancada da Bala", conseguiu vencer a oposição feita por partidos com o PT, PCdoB e PSOL, que tentavam obstruir a votação. 
O parecer do relator da PEC, Luiz Couto (PT-PB), defendia que a redução da maioridade penal de 18 para 16 anos de idade é inadmissível e inconstitucional. O relatório de Couto foi rejeitado pelos parlamentares da CCJ por 43 a 21 votos. 
Após a rejeição, um novo relatório, com base no voto do deputado federal Marcos Rogério (PDT-RO), desta vez defendendo a admissibilidade da PEC, foi apresentado e aprovado por 42 votos a favor e 17 contra.
O deputado federal Marcos Rogério (PDT-RO), que defende a redução da maioridade penal, disse que a aprovação não representa a extinção de um direito. "Nós não estamos abolindo um direito. Estamos apenas modificando. Vamos dar um texto mais adequado ao Brasil de hoje, e não ao do Brasil de 1940 [ano em que foi promulgado o Código Penal]", disse o parlamentar.
Para o deputado federal Chico Alencar (PSOL-RJ), contrário à redução da maioridade penal, a aprovação da admissibilidade da PEC representa um risco. "[Essa redução] fere uma cláusula da Constituição que não pode ser mexida", afirmou Alencar.
O deputado federal Ivan Valente (PSOL-SP), disse que a aprovação da PEC na CCJ é um mau sinal. "A agenda conservadora do Congresso está sendo posta em prática. É um momento triste para toda a sociedade", afirmou.
O deputado federal Alessandro Molon (PT-RJ) disse que deputados governistas e de oposição que são contrários à redução da maioridade penal estudam ingressar com um mandado de segurança para impedir a tramitação da PEC na Câmara dos Deputados.
"Esse mandado pode ser impetrado até o final da tramitação. Não temos pressa. Vamos estudar a melhor forma de fazer isso. Quem perdeu hoje não foi o governo [que era contra a proposta], mas a Constituição Federal", afirmou.

Polêmica

A discussão da PEC na CCJ tem causado polêmica no Congresso. Desde a última semana, dezenas de manifestantes contrários e a favor da redução da maioridade penal têm ocupado as galerias do plenário onde as reuniões da CCJ são realizadas.
Nesta terça, um esquema de segurança impediu que a maior parte dos manifestantes entrasse nas galerias. Pouco mais de 15 militantes participaram da sessão. Na última terça-feira (24), os deputados federais Alessandro Molon (PT-RJ) e Laerte Bessa (PR-DF)chegaram a discutir e precisaram ser separados por seguranças e outros parlamentares.
Leia mais em: http://zip.net/bpq2mx


domingo, 29 de março de 2015



Ei, Dilma, vá tomar… jeito

Uma onda de indignação percorreu vários artigos bem-pensantes em relação ao corinho que a presidente recebeu no estádio no jogo de estréia do Brasil: “Dilma, vá tomar no (*)”. Quanto a mim, só consigo pensar: colheu o que plantou.
Claro que existe sim uma elite branca alucinadamente preconceituosa, que por exemplo desprezou Lula ao mesmo tempo em que ele conduzia o país na melhor fase da sua história (se considerarmos a continuidade da recondução do país à normalidade democrática somada aos bons ventos na economia).
Alguém pode dizer: foi sorte. Eu diria “magia”. A intuição de Lula foi comprovada ao conduzir aos seus postos nomes (não por acaso os dois negros) inusitados como o de Gilberto Gil e Joaquim Barbosa. Goste-se ou não da atuação deles, ela atravessou o samba da conciliação branca automática, enriqueceu muito os debates. E gerou momentos desafiadores – o que foi bom – para a percepção da cultura política e da política cultural do país. Arejou.
Ou seja, tudo que não é a obsessão da economia como uma ciência exata (mentira) emergiu. Nossas “elites” de araque foram expostas e confrontadas no processo. O país deu um salto na sua autopercepção. Dilma assumiu com a bola na marca do penalti. Era só marcar.
Marcar, no caso, significava tocar a tarefa de faxina que Lula não era talhado para fazer. Endurecer com os setores fisiológicos mais corruptos da base, completar o sacrificio político dos setores do PT maculados formalmente com o mensalão, enfim, emitir simbologias de independência, seriedade e avanço social – com um toquinho de feminismo pra garantir a firmeza.
O problema é que o governo Dilma, aos poucos, tornou-se o pior de dois mundos. Lula mantinha os fisiológicos mais ou menos travados em arranjos provisórios e conversas intermináveis. A inábil e politicamente irrelevante Dilma, acovardada (principalmente a partir da piora do cenário econômico e das manifestações de um ano atrás), acabou virando refém das mesmas pseudo-elites que vinha para anular e enquadrar de vez.
Sob a covardia eleitoreira de Dilma, os fisiológicos tornaram-se mais chantagistas do que nunca; os ruralistas se preparam para o assassinato ainda mais sistemático de índios e a destruição da política de demarcações; os neopentecostais nadam de braçada na sua cruzada violenta contra o feminino, a cultura negra e as liberdades individuais.
Para completar a simbologia errada, a lei da Copa converteu-se no AI5 de Dilma; a sua subserviência à Fifa é digna de um Governo de Vichy (os colaboracionistas franceses com o nazismo); as PMs se assumem ideológicas com uma ousadia repressiva que não se via desde a ditadura – e em alguns aspectos ainda mais desinibida. Como se a polícia não estivesse a serviço da população, incluindo-se aí os ativistas.
Tudo em nome da crença capenga de que um grande evento esportivo internacional serviria para “posicionar” o Brasil de alguma maneira, turbinar (publicitariamente) a nossa autoestima. Acontece que falsidade marketeira é tudo de que não pecisamos.
Dilma, discursando, é como um boneco, com falas acacianas e movimentos erráticos.
O exato oposto de Lula. Dilma tornou-se o Maduro de Lula, o tapa-buraco surtado, passivo-agressivo – e Lula nem morto está, só está gagá. A infeliz invenção do (não) candidato Padilha, no que seria a disputa estadual mais importante para o PT, em São Paulo, é a demonstração de como até Lula perdeu a mão completamente.
E chega o momento em que Dilma, agarrada à simbologia precária e contaminada da Copa, é vaiada – numa vaia puxada pelos setores (cof, cof) “vips” do estádio. Aqui intervêm quatro aspectos.
Primeiro, como brincou meu amigo Sergio Cohn, “vocês se lembram daqueles filmes da sessão da tarde onde uma garotinha nerd decide que quer andar com as patricinhas e para isso abandona, trai e humilha as amigas para no fim descobrir que as patricinhas nunca irão a aceitar de verdade?”. É essa a verdadeira relação da traidora Dilma, da covarde Dilma, da puxa-saco da elite Dilma, com a esquerda (os movimentos sociais) e a direita (a pseudoelite). Virou desafeta dos dois lados.
Ou, numa formulação mais amena, de Lino Bocchini em sua coluna na Carta Capital, “que (Dilma) tire uma lição do que presenciou em Itaquera (a vaia). Não faz o menor sentido continuar governando prioritariamente para essas pessoas. E não é uma questão de ‘gratidão’, nada disso. Dilma é, claro, a presidenta de todos os brasileiros. Mas não se justifica o número de concessões e agrados que ela se obriga a fazer para poderosos em geral, sejam eles do agronegócio, evangélicos fundamentalistas, banqueiros ou donos de redes de televisão”.
O segundo aspecto é que o futebol é uma encenação patriarcal, hipercompetitiva, que acredita em “rivalidades” artificiais. Como já dizia Nelson Rodrigues, lembrado por Marcos Augusto Gonçalves, “no Maracanã, vaia-se até minuto de silêncio e, se quiserem acreditar, vaia-se até mulher nua”.
Esperar educação num ambiente machista tosco como um estádio, ainda mais coalhado de coxinhas e num momento de convulsão social, seria pura insanidade. Não foi à toa que Dilma se precaveu discursando na televisão, às vésperas, e não se atreveu a abrir a boca no estádio.
O terceiro aspecto é o de que se há uma contribuição que o ativismo do século 21 está dando, é a de que não há “salvo conduto para a esquerda fazer bobagem”. Esse alinhamento automático (que é apenas uma forma disfarçada do alinhamento automático da elite branca) ficou no stalinismo do século passado. Como já dizia o (manjadésimo) ditado, de boas intenções o inferno está cheio.
Se algum político ou partido quer resgatar o nome da esquerda, terá que fazer isso com esforço, coragem moral, constância e sem se recusar a dar satisfações – e a fazer eventuais autocríticas. E o PT tem sido o contraexemplo disso. Dilma não só já torrou todos os dividendos que os acertos do governo Lula deixaram, como já está afundada no passivo.
Se o psiquismo petista gastasse com autocrítica uma fração da energia que gasta com reclamações ao Joaquim, reclamações à “falta de educação” das vaias, já seria uma mostra de dignidade. Porque matar índio e destruir terreiro de religiões afro, como faz a base petista, também não é nada “educado”.
E, finalmente, a questão da Copa e da autoestima. As traduções ridículas do inglês em placas e restaurantes (incluindo os notáveis “bread with cold”, o pão com frios, e “against the brazilian steak”, o contrafilé à brasileira) e absurdos como o de colocar índios vestidos com roupa cor de pele na bisonha cerimônia de abertura, sem falar no flop do robô do Nicolelis, são apenas um sintoma. Sintoma do ridículo que é esse “esforço em agradar”, que não só não funciona como expõe o país à dupla vergonha de tentar ser o que não é.
Sendo que o que somos de verdade é exatamente o que o mundo espera de nós – inclusive o ativismo que as PMs espancam e prendem sem fundamento legal. E não essa caricatura de “eficiência” e “limpeza”. O que nos traz de volta a Dilma. Eu diria à presidente: “Ei, Dilma, vá tomar... jeito”. Se é que dá tempo. Parece que não.



Morte e vida Estelita

Cadê Roger, cadê Roger, cadê Roger, ô?, perguntava Chico Science na música “Macô”, de 1996. Roger também esteve na ocupação pacífica do Cais Estelita, em Recife. Ou melhor, esteve, enquanto havia ocupação. Na terça feira, bem no dia do segundo jogo do Brasil na copa, a ocupação foi invadida pela polícia, na porrada e bomba, numa verdadeira operação de guerra. E desrespeitando todos os acordos com órgãos do governo municipal, estadual e federal feitos durante as conversas desde a ocupação, no dia 21 de maio.
Acontece que o movimento em torno do uso urbano do cais Estelita é maior e mais importante para o Brasil do que a copa. As origens do caso podem ser conferidas aqui neste texto – o histórico que levou à ocupação. E porque digo que é mais importante? Porque o embate central do Brasil se dá, hoje, entre duas concepções de país. E esse embate está perfeitamente representado na briga pelo Estelita, e não nos campos de futebol.
O post anterior sobre o assunto tenta se aprofundar um pouco no porquê de Recife ser essa cidade de vanguarda na política cultural do país, apesar de (ou alimentado pelos) seus enormes contrastes e abismos sociais. O cais Estelita traz essa disputa para a esfera das políticas públicas. Representa a briga entre um país acolhedor, feito de pessoas, por pessoas e para pessoas, contra um país onde o dinheiro manda, inclusive (ou principalmente) nos políticos e na mídia.
É por isso que é tão central esse choque de simbologias, a de uma Recife-Miami, de um globalismo novo rico, evocada pelos coxinhas da cidade, versus a Recife global-local-genial que vem sendo inventada desde o manguebeat, na década de 90. Na verdade essa invenção vem de antes, do início dos anos 70 e a psicodelia local, antropofagizando gostosamente as raízes negras-indígenas-mediterrâneas.
Essas raízes são um amálgama de mistérios que alimenta o que pode ser chamado de “nordeste apocalíptico”, um caldo denso que alimentou o baiano Glauber Rocha, o paraibano Zé Ramalho, e os locais, como o jovem Alceu Valença, e Lirinha e do Cordel do Fogo Encantado, por exemplo.
Pois esse apocalipse materializou-se nos cacetetes, chicotes (!), sprays de pimenta e bombas da Polícia, quando o governo estadual decidiu que era o momento de fazer valer a violência contra o amor. Não, não é pieguice o uso do termo. “Amor” é uma boa definição para a vivência que vinha acontecendo na ocupação, um acampamento da cidadania, com oficinas, saraus, palestras, exposições, debates, shows (de gente como Otto, Karina Buhr, Siba). Em quase um mês de ocupação, uma Recife paralela, gentil, saudável, culta e horizontal, emergiu do caos urbano.
Conta Karina Buhr: “hoje é muita gente envolvida nessa luta contra a especulação escrota e ilegal da cidade, que exclui as pessoas e trata como invisíveis os que moram nos arredores, que mata a história, enfeia a paisagem. E deixa a cidade ainda mais quente, porque simplesmente tapa a circulação de ar que existe na beira do rio. Já taparam Boa Viagem nessa faina louca, e a praia tem sombra de prédio (às 15h!) em vez de coqueiros; acabou com a brisa da cidade”.
“A união de tanta gente diferente entre si, com essa resistência enorme, lutando por uma cidade de todos, o cumprimento das leis e a não-destruição do bem comum, é algo que nunca vi acontecer desse jeito. Fui lá na ocupação, fiz um show e passei o dia seguinte no acampamento, junto com todo mundo limpando lixo, capinando, cozinhando, um troço lindo. É um aprendizado diário coletivo, muito precioso, impressionante e agregador. Me emociono a cada segundo, tentando trazer mais gente pra perto, até me dói não estar lá fisicamente o tempo todo”.
Uma vivência colaborativa de artistas, estudantes, professores, ativistas e cidadãos de todo tipo apoiados por urbanistas, artistas gráficos, ciclistas, midialivristas, feministas, fotógrafos, maracatus, e manifestações de gente como a Nação Zumbi, Lenine, Dira Paes, Gregorio Duvivier, Camila Pitanga, Laerte, Sepultura e tantos outros, que postaram fotos e textos ao longo de todo o processo.
Retirados do terreno (inclusive e ilegalmente do terreno da ferrovia, sobre o qual a polícia não teria como intervir), os ativistas da Estelita não arredaram pé totalmente. Estão agora acampados em um viaduto a poucos metros da entrada do antigo acampamento, e continuam organizando as atividades coletivas.
liana cirne lins e karina buhrO Ministério Público Federal, o Instituto dos Arquitetos do Brasil, a Anistia Internacional Brasil, a Universidade Federal de Pernambuco, entre outras entidades, também se manifestaram a favor do movimento. Escreveu o reitor da UFPE, Anisio Brasileiro, antes da invasão da polícia: “Recife tem hoje uma oportunidade rara de discutir seu futuro de forma aberta e democrática. A cidade não pode prescindir de projetos de vulto que reestruturem o espaço urbano no sentido de afastar-nos de um modelo de desenvolvimento excludente, que deteriora o ambiente e a qualidade de vida urbana. Por serem estruturadores, devem passar por discussão aberta, em que atores sociais expressem suas expectativas, críticas, sonhos, e apresentem propostas para a cidade”. Bom resumo de caso. Recife como laboratório de Brasil.
Mas esse reconhecimento não tem encontrado cobertura adequada da imprensa local. As manifestações e apresentações dos artistas são noticiadas a contra gosto pelos jornais e por jornalistas que se mostram coniventes e até se regozijam com a agressão aos manifestantes. A coisa se explica um pouco pelos vínculos dos principais jornais locais: o Jornal do Commercio é ligado a um dos maiores grupos econômicos do estado, o JCPM; e a Folha de Pernambuco ao grupo EQM, com base no setor sucroalcooleiro. O terceiro, o Diario de Pernambuco, também participa do bloqueio jornalístico.
A TV tem o mesmo compromisso com a desinformação: no NE TV 1ª. edição do dia 24 de maio foi veiculada uma matéria chapa branca chamada Arquitetos do Novo Recife Mostram Vantagens do Projeto, sem nenhuma opinião divergente. No dia 27, o NE TV trouxe notícias das manifestações que ocorreram na véspera no acampamento – mas o foco da cobertura foi o engarrafamento causado pela mobilização na avenida do cais. Jornalistas locais relatam pressões e censura na cobertura da ocupação, sempre favorecendo as empreiteiras.
Quanto aos políticos, a especulação é de que o governador João Lyra (PSB) assumiu o ônus da invasão, porque sua base política está fora do Recife, e sua próxima candidatura deve ser a prefeito de Caruaru, daqui a dois anos. O apoio financeiro do consórcio imobiliário Novo Recife e das empreiteiras seria mais importante que o voto popular. No dia da invasão da policia, o governador viajou a Fortaleza para assisir o jogo do Brasil no camarote oficial.
O prefeito, Geraldo Julio (do mesmo PSB do governador, e de Eduardo Campos), tenta se preservar fazendo jogo duplo. Culpa as gestões passadas pelo imbróglio, mas apoiava as gestões anteriores, do PT (que também tiveram relações promíscuas com as empreiteiras e incorporadoras, e aprovaram projetos como as torres do cais de Santa Rita). O prefeito afirma que a licença de demolição permanece suspensa e que preferia uma solução negociada para a desocupação – mas é claro que combinou a tática com o governo estadual. É impossível que não estivesse sabendo da estratégia de repressão violenta.
Na verdade, os vínculos são mais escandalosos ainda. O Secretário de Assuntos Jurídicos da prefeitura é advogado da construtora Queiroz Galvão. O Procurador Geral do Estado é advogado do Consórcio Novo Recife e da construtora Moura Dubeux – e primo de Eduardo Campos. A professora da UFPE e advogada do movimento Liana Cirne Lins, que foi agredida a cacetete, diz: “estamos vivendo um estado de exceção, em que o poder econômico determina as ações do poder do Estado", beneficiando uma parcela ínfima da população, a elite econômica predadora.
lenineOu, como diz Roger de Renor, que de dono de bar (a clássica Soparia, onde aconteciam shows do manguebeat na década de 90) virou homem de rádio e TV, falando a este blog: “o Ocupe Estelita pegou de calça curta os velhos coronéis da política e os financiadores históricos de suas campanhas, as oligarquias dos engenhos, que já bancavam o tráfico de escravos, patrocinaram o regime militar e desde sempre pagam as campanhas eleitorais. Eles têm os jornais, rádios, TVs e os portais, eles compram gente e mandam até na polícia, pois quem paga sempre manda”.
“Eles só não contavam com a rede social. Nós somos milhões de views, publicizando o jogo sujo entre estado e empresas. Nós somos a criatividade furando a velha censura. Respondemos agressão e violência com argumentos, música e delicadeza – e para eles não há nada mais agressivo do que isso”, fulmina Roger.




Uma derrota necessária

No Brasil dito cordial, o futebol virou durante décadas um mediador da disputa de classes sociais. O projeto branco, europeu, ordenador e vertical, aceitou que o projeto pardo, tribal e em geral mais anárquico, se fizesse representar na grande narrativa social através do futebol e de seus jogadores de origem humilde.
Futebol passou a ser a narrativa que os machos de todas as classes sociais, opressoras e oprimidas, podiam alegar ter em comum. A divisão entre times “populares” e “de elite” (como o Corinthians e o São Paulo, nesta cidade) acabou borrada pelo hackeamento cruzado. Gente intelectualizada assumia a “paixão” pelo Corinthians.
E torcedores de origem humilde aprenderam a gostar do antigo time coxinha e “pó de arroz”. O termo pó de arroz, aliás, tem uma origem sensacional, no ainda aristocrático Fluminense do Rio, quando o jogador Carlos Alberto, em 1914, usou pó de arroz para disfarçar sua negritude – e foi denunciado quando o suor desfez sua maquiagem.
Acontece que essa narrativa cordial e acochambrada não dá mais conta da complexidade psicossocial do país. O projeto pardo botou suas manguinhas de fora. Expressões próprias como o funk, o passinho e o rolezinho, não dependem mais do aval branco. E não é mais um boyzinho arrivista patriarcal como Neymar, que anuncia cuecas subliminares e acredita piamente em truques de marketing, que o representa. Há uma crise quanto à função social do futebol.
E essa mesma mentalidade de “rivalidade”, seja lá o que significa isso, migrou para a política brasileira. Agora virou frase recorrente que qualquer cobrança ao PT é “fazer o jogo da direita”, desqualificando as reclamações. Ora, quem faz o jogo da direita é o próprio PT, que atraiçoa impiedosamente seus antigos eleitores, fazendo todo tipo de acordo eleitoreiro sem princípios.
E não se trata mais de sustentar zumbis políticos como Collor, Sarney e Maluf – uma gracinha que Lula gostava de fazer, posando de grande líder olímpico. Mas de opressão e assassinato mesmo. A monstruosidade do acordo com o agronegócio, que se arma para assassinar índios, só é comparável à do acordo com neopentecostais, que dão o mote para perseguição a gays, aos povos de terreiro, à liberdade feminina e outras liberdades individuais.
A brutal repressão da PM nos estados recriou uma figura que não existe oficialmente desde o fim da ditadura: o preso político. O caso de Fábio Hideki em São Paulo é escandaloso: acusado de ser “líder black block” e de portar explosivos que não existiam, Fábio é um ativista pacifista conhecido, preso “em flagrante” enquanto ia embora de metrô. Uma reunião pública pela libertação de Fábio foi igualmente atacada a bomba pela PM, e advogados que reclamavam da presença de soldados sem identificação agredidos e presos.
Fábio HidekiSobre esses episódios, os Advogados Ativistas publicaram carta aberta: “talvez esta formação jurídica seja o que falta para esta gestão, pois se vale de provas plantadas, intimidação, prisões ilegais e tantos outros recursos escusos para camuflar a incompetência da sua polícia e justificar investigações contra manifestantes (...) Não aceitaremos mais os abusos perpetrados por esta Secretaria de Segurança Pública”.
E segue: “É curiosa a pretensão desta Secretaria de Segurança Pública, ao afirmar a posição de um cidadão como mentiroso, sem ao menos buscar saber as versões dos envolvidos. Nos parece muito claro que não é a função de um servidor público realizar a análise sumária de uma falha da sua administração criticando um cidadão (...) Percebe-se que toda máquina pública não favorece os direitos do cidadão ao que tange a sua defesa contra os abusos policiais”.
Quanto a isso, o governo federal acuado não tem nada a dizer. Até porque foi Dilma que deu a senha para a repressão, ao dizer que “não toleraria vandalismo durante a copa” – sendo que vandalismo passou a ser qualquer tipo de manifestação. É essa Dilma chefe de torcida, comparável aos milicos que a torturaram em 1970, que nos leva de volta ao futebol.
Se a política vira futebol, o futebol vira política. Por isso a derrota do Brasil na copa, um choque de realidade, é tão necessária. Para pararmos de subterfúgios, como o do Brasil todo tratando do choro dos jogadores. Uma DR nacional neurótica e circular, que toma o desempenho no futebol como o problema nacional, quando ele apenas o espelha.
Escrevo antes do jogo contra a Colômbia. Pronto para comemorar a desclassificação do Brasil. Porque é ela que leva à libertação de Fábio Hideki. É ela que leva à libertação do país, à liberação da raiva e da alegria reais, sem biombos nem procuração.




A culpa do mundo é nossa

Davi virjão vai esperar... até 2018Se eu fosse o marketeiro da Dilma, mandava-a ir à TV, engasgar, chorar que nem louca e sair sem dizer nada. Ela ia bater de novo nos 70% de aprovação fácil. Porque, piores que a derrota para a Alemanha no futebol, são as explicações para a derrota.
Como alguém disse neste Yahoo, os “profetas retroativos” pipocam de todos os lados. O problema é que eles falam... de dentro do problema. Não parece incomodar ninguém a dimensão bizarra que o futebol tomou como narrativa central nacional.
Eu arrisquei neste outro texto, que chamei de “Uma derrota necessária”, a suposição de que o futebol, como narrativa competitiva patriarcal, serviu a outra época. Um século onde cabia dominadores e dominados terem um “mercado psicossocial” comum, onde a assim chamada ginga dos pardos fosse valorizada e negociada com a elite branca, com vantagens para as duas partes.
Essa operação foi tão bem sucedida que acabou marcando o imaginário brasileiro, e o imaginário internacional sobre o Brasil, na segunda metade do século 20. Mas conforme avançamos no século 21, e em suas horizontalidades reais, fica mais claro que a horizontalidade simulada e dissimulada do futebol virou o pior de dois mundos.
Porque o que seriam os heróis pardos (o equivalente dos working class heroes britânicos, heróis no sentido cultural, e não marxista, de combatentes de classe) viraram celebridades pálidas, arrogantes e mimizentas, como qualquer playboy branco da pior estirpe das capitanias hereditárias.
Há uma ruptura aí entre a geração de Romário (que tem ginga e combatividade) e a de Ronaldo. Essa “celebridade” oportunista da amizade com Aécio, de um patético casamento com Daniella Cicarelli celebrado no castelo de Chantilly (mole e branco que é) que durou apenas três meses (depois saberíamos de seus hábitos hipócritas). Da incrível corrupção que é estar ao mesmo tempo com o governo, com a oposição, com a Fifa, com a CBF e com a Globo, manobrando dinheiro e influência e sem prestar contas a ninguém.
Neymar não está “sendo preparado” para ser coisa melhor, pelo contrário. Amigo do playboy-mór Luciano Huck, lacaio do mundo do marketing e da publicidade, se prestou à absurda operação de ser sagrado como craque-salvador-mulek-lek-lek, quando na verdade é um playboyzinho machista típico da cultura do estupro. Até em seu momento mais dramático na copa usou e foi usado pela publicidade.
Como escreveu Milly Lacombe, com conhecimento de bastidor: "Neymar é um produto e nada nele soa autêntico. Do cabelo à cueca, passando pelas simulações e pelas caras e bocas, absolutamente nada ali me seduz. O novo rei da raça, David Luiz, também não. São, obviamente, jogadores muito acima da média, mas até a raça que David Luiz vomitou em todos os jogos me soa levemente exagerada e fabricada. Porque o ambiente da CBF, uma corporação que preza o dinheiro e o luxo e a arrogância, contamina absolutamente tudo que nela encosta, de jogadores a assessores de imprensa, passando por treinadores e entrevistas coletivas".
O “bom menino” David Luiz é a outra face da moeda. Neopentecostal, puxa as rezas no escrete e faz campanha pela castidade (!). Não deve ter dificuldades em esperar por 2018. Já a civilizada Alemanha fez tudo certo. Treinaram na Bahia, num calor realista, e não na européia Teresópolis. Confraternizaram com simplicidade, na hora de confraternizar, mas treinaram e estudaram com afinco. E consta que substituem rezas por uma hora diária de meditação. Nada de investir no “pensamento mágico” e da autoajuda vazia a la Felipão.
Além desses citados podemos pinçar do circo do futebol toda sorte de arrogantes lamentáveis: Marin, Galvão, a própria Dilma, que teve a idéia insensata de embarcar na aventura populista da “melhor copa de todos os tempos”. Porque para o brasileiro truculento, a melhor copa de todos os tempos é exclusivamente a que ele (?), eunuco furioso, vence (?).
É por isso que, assim como antes da derrota para a Alemanha, questões bestas como a do choro dos jogadores se espiralavam em discussões descabidas e intermináveis, agora é a “humilhação” desse ser improvável, o “hooligan dos sentimentos”, que se enrola sobre si mesma várias vezes numa trama inextricável.
Um mimimi de macho de proporções épicas; um grito de desespero para o nada. Não há “psicóloga da seleção” que resolva. Teve copa, mas ficou sem o final (simbólico). Só o custo-oportunismo, o custo-populismo, o custo-pensamento-mágico-falhado. (Aqui um exemplo caricato sensacional; nem o guarda sabe se solta ou se enche de porrada.)
Ora, mas quem mesmo foi derrotado, cara pálida? Só um macho imbecil que acha que o futebol ainda tem alguma importância como narrativa central da brasilidade. O apagão dos seis minutos durante o jogo foi o bug na matrix, o vislumbre de que nada disso vale. Por sorte do outro lado estava uma Alemanha disciplinada o suficiente pra marcar vários antes de perguntar que diabos estava acontecendo – pergunta que a Alemanha está se fazendo até agora, com uma sobriedade nada argentina.
Me espantam os artigos e matérias na TV sobre “como agir com as crianças deprimidas pela derrota” – porque nenhum deles considera a hipótese de ensinar pras crianças que futebol não significa nada, e quem torce “a sério” é um infeliz surtado. Pensando bem, acho que não estão falando das crianças, é só um subterfúgio.
É por isso que, se eu fosse o marketeiro de Dilma, mandava-a encarnar uma mater dolorosa, a mãe da culpa e da punição. A culpa do mundo é nossa. Seria o único arquétipo compreensível (e vendável) no meio desse mimimi de macho do século passado colapsado.