domingo, 29 de março de 2015




O único voto moral é o voto nulo

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Os eleitores “normais” (ou seja, que não foram abduzidos nem pela campanha de Dilma nem pela de Aécio) estão sob um intenso bombardeio nas últimas semanas. Pior, é um bombardeio que não se destina a esclarecer pontos programáticos ou factuais, mas a catequizar os eleitores.
Uso o termo “catequizar” de propósito: ele se refere a ganhar alguém para a religião cristã, por um processo que é mais emocional do que lógico. Praticamente uma contaminação. A origem do termo é grega, e se refere a transmissão oral e reverberação – ou seja, uma espécie de hipnose.
É claro que tentativas toscas de hipnose não funcionam, são um elemento de comédia. Basicamente, uma indução hipnótica bem sucedida precisa “enganchar” com o universo interno do hipnotizado. E a maior parte das tentativas de “hipnose política” nas redes diz respeito muito mais ao universo de quem está tentando abduzir os outros (sem sucesso) do que às suas vítimas.
Por exemplo, para quem não nutre uma simpatia a priori por Dilma, o slogan “coração valente” soa falso, brega, apelativo. Tentar pintar uma burocrata limitada e raivosa como uma espécie de espírito livre e guerreiro só vai soar mal para uma parte considerável dos eleitores em dúvida. Por outro lado, fazer uma montagem de Aécio como playboy “catando mulher” em micareta provavelmente terá o efeito inverso, o de satisfazer seus eleitores machistas.
O grande problema, na verdade, é que os dois lados fazem apelo a um voto moral. Como se o lado oposto estivesse cheio de bandidos. E o fato é de que, considerando as evidências, os dois lados estão cheios de bandidos. Há quem diga que as manifestações de junho de 2013 e contra a Copa não levaram a nada. Levaram sim: à conclusão de que quem está disputando o poder não tem moral nenhuma a alegar. Só apego ao poder em si, e a disposição de adotar de quaisquer meios para mantê-lo ou capturá-lo.
Nesse sentido, o único voto moral é o voto nulo. Porque reconhece que temos um problema grave nos dois lados que sobraram (também escolhi o termo deliberadamente) nesse segundo turno presidencial. Como diz Célio Turino, o criador dos pontos de cultura, neste artigo, o voto nulo deveria ser tratado com mais consideração política nos cálculos eleitorais.
É claro que há uma ética especifica em votar em Dilma: a de acreditar que, mesmo com todas as mazelas, o governo do PT tem programas que tendem à justiça social. Assim como, mesmo sem acreditar no programa de Aécio, há a ética de acreditar que a prioridade é arrancar o PT do poder, antes que o aparelhamento de estado chegue a níveis ainda mais catastróficos, e irreversíveis.
O que não é possível acreditar é que um dos lados seria “puro” diante da desonestidade do outro. Até porque ambos estão sujeitos às mesmas barganhas e pressões sociais. Trata-se mais de escolher os atores do que interferir no enredo. Vai mais do feeling do eleitor decidir qual é menos pior, numa perspectiva de redução de danos.
Dois pontos interessantes, vistos dessa lógica. Um, a “pegadinha” de Dilma perguntando a Aécio sobre lei seca no debate da quinta feira. Surpreendentemente, Aécio atacou a questão de frente, admitindo que já foi flagrado dirigindo com documentos vencidos, e se recusou a passar no bafômetro. Produziu uma sensação de alívio, a de que às vezes é melhor admitir logo um problema do que criar outras camadas problemáticas tentando negá-lo (é um argumento recorrente em filmes de suspense, o de cometer vários crimes encadeados para ocultar um único crime inicial).
Numa escala bem diversa, há um embate na campanha de Dilma sobre a conveniência de negar ou admitir logo as acusações de corrupção na Petrobrás. O poderoso marqueteiro João Santana era por admitir, demitir diretores e jogar o problema para a justiça. Seria um arejamento bem-vindo na tensão do embate.
Mas esse é um desgaste que Dilma não pode comprar com o PT e com partidos da base aliada – aí entram as circunstâncias e as chantagens políticas, sempre elas. Um “coração valente” de verdade teria menos problema em peitar os amigos (com amigos desses, quem precisa de inimigos etc).
Por outro lado, uma revelação bizarra vem reforçar o título deste post. O delator do escândalo da Petrobrás, ex-diretor Paulo Roberto Costa, o “Paulinho”, acaba de dizer que o falecido ex-presidente do PSDB, Sergio Guerra, recebeu suborno da Petrobrás para esvaziar uma CPI para investigar a empresa em 2009, quando era senador.
No debate, Dilma mencionou o fato – dando credibilidade pela primeira vez às acusações de Costa. Como se vê, não há virgens nesta zona eleitoral. Ou seja, vote no seu candidato se tiver um, até tente conseguir outros votos mas, por favor, abdique de qualquer alegação de pureza moral. Essa sim é a grande mentira, e o componente mais tóxico dessa campanha.
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