Governo e o PT torcem braço de manifestantes
Josias de Souza
.
Mal comparando, o governo Dilma Rousseff está na situação de uma agência de turismo que oferece à sua clientela viagens de férias às cegas. O sujeito compra o pacote turístico e embarca para algum destino exótico confiando na boa-fé do agente de viagem. A diferença entre isso e o que o marqueteiro João Santana vendeu em 2014 é muito pequena. Ao converter a política num ramo da publicidade, o comitê de Dilma empurrou um pacote turístico à nação sem informar o destino.
Ninguém sabia com que Dilma havia embarcado nem que Dilma governaria. Desconfiava-se que nem ela soubesse. O discurso deste domingo, transmitido em rede nacional de rádio e tevê, apenas confirmou a suspeita. Um pedaço do país avalia que o ponto de interrogação eleito em 2014 tornou-se uma impostura. Por isso algumas pessoas bateram panelas, gritaram na janela, piscaram as luzes de casa.
Coordenador das redes sociais do PT, Alberto Cantalice disse que “existe uma orquestraçãoo com viés golpista que parte principalmente dos setores da burguesia e da classe média alta.” E José Américo Dias, secretário nacional de Comunicação do PT, declarou que as manifestações foram “orquestradas para impedir o alcance da mensagem [de Dilma], mas fracassaram em seus objetivos.”
Como se fosse pouco, veio o ministro Aloizio Mercadante (Casa Civil) à boca do palco para declarar o seguinte: “O Brasil tem dois turnos. Não pode haver terceiro turno. O que preocupa é que tivemos uma eleição bastante polarizada, que teve momentos de radicalização, e precisamos construir uma cultura de tolerância, de diálogo, de respeito. É isso que ajuda a construir uma agenda de convergência que é fundamental para o país superar as dificuldades conjunturais o mais rápido possível.”
“Golpismo” e “terceiro turno” são expressões que o petismo utiliza para classificar qualquer manifestação democrática que não tenha sido organizada pela CUT. Esse linguajar está com o prazo de validade vencido. Mercadante fala em dialogar para “construir uma agenda de convergência”. Ora, ora, ora…
O verbo do PT na eleição foi desconstruir. Conjugando-o, Dilma prevaleceu sem se precupar com a autoconstrução. Obteve o direito de permanecer ao volante por mais quatro anos. A plateia não pode ser responsabilizada pela falta de um itinerário. Os descontentes pedem clareza e respeito. O PT e o governo lhes torcem o braço. Pequenas doses de humildade e autocrítica talvez fossem mais eficazes.
Dilma amplia vocabulário: ‘sacrifício e paciência’
Josias de Souza
.
O governo Dilma Rousseff continua o mesmo. Mas o vocabulário da presidente… Quanta diferença! A pretexto de celebrar o Dia Internacional da Mulher, Dilma levou ao ar seu primeiro pronunciamento em rede nacional desde a posse. Decorridos 67 dias do segundo mandato, ela finalmente restituiu ao vocabulário palavras que havia proibido seus lábios de pronunciar —“sacrifícios, problemas, aumentos, paciência…”
Dilma ainda não descobriu o significado do vocábulo autocrítica. “Nem de longe a crise é nas dimensões que dizem alguns”, declarou. Mas ela já admite, à sua maneira, que aquele Brasil róseo que vendeu na campanha presidencial era mesmo um país de fábula. A conversão da presidente à realidade foi, porém, parcial. Ela embrulha as palavras para presente. Os problemas são “conjunturais”, os aumentos são “temporários”, os sacrifícios são “suportáveis”…
Claro que madame ainda considera a gestão dela extraordinária. “Nossos fundamentos continuam sólidos”, disse. Evidentemente, a culpa pelos problemas, não é do governo. “A questão central é a seguinte: estamos na segunda etapa do combate à mais grave crise internacional desde a grande depressão de 1929”, declarou.
Na campanha, Dilma acusava o antagonista Aécio Neves de tramar “medidas impopulares”. Decorridos quatro meses desde a abertura das urnas, Dilma assiste ao derretimento da própria popularidade. “As circunstâncias mudaram”, afirma, para justificar o uso de “armas diferentes e mais duras”. De novo, a culpa não é da presidente nem do governo dela. Não, não. Absolutamente.
Não bastasse a crise mundial, o Brasil enfrenta uma conspiração de São Pedro. “Há ainda a coincidência de estarmos enfrentando a maior seca da nossa história, no Sudeste e no Nordeste”, queixou-se Dilma. “Entre muitos efeitos graves, esta seca tem trazido aumentos temporários no custo da energia e de alguns alimentos.”
“Você tem todo direito de se irritar e de se preocupar”, Dilma autorizou. Nem precisava. Pesquisa Datafolha divulgada no início de fevereiro revelou o tamanho da irritação. Por exemplo: de cada dez brasileiros, seis avaliam que Dilma mentiu durante a campanha. Dos 60% que a consideram mentirosa, 46% acham que ela disse mais mentiras do que verdades. Para 14% ela só pronunciou mentiras.
Mas a presidente pediu à plateia que tenha “paciência e compreensão porque esta situação é passageira.” Segundo ela, “o Brasil tem todas as condições de vencer estes problemas temporários.”
Antes autossuficiente, a ex-supergerente roga que você a ajude. “Peço a vocês que nos unamos e que confiem na condução deste processo pelo governo, pelo Congresso, e por todas as forças vivas do nosso país – e uma delas é você!” Ela promete proteção: “Queremos e sabemos como fazer isso, distribuindo os esforços de maneira justa e suportável para todos. Como sempre, protegendo de forma especial as classes trabalhadoras, as classes médias e os setores mais vulneráveis.”
Dilma culpa as manchetes pelo envelhecimento precoce de sua administração. “Os noticiários são úteis, mas nem sempre são suficientes. Muitas vezes até nos confundem mais do que nos esclarecem.” A presidente considera-se digna de elogios pela valentia: “…decidimos, corajosamente, mudar de método e buscar soluções mais adequadas ao atual momento. Mesmo que isso signifique alguns sacrifícios temporários para todos e críticas injustas e desmesuradas ao governo.”
Virou pó o mito da gestora infalível, que Lula criara na sucessão de 2010. Mas, que diabos, “não havia como prever que a crise internacional duraria tanto”, justificou-se Dilma, como que reconhecendo que também está sujeita à condição humana. Ninguém poderia supor também que a crise financeira “seria acompanhada de uma grave crise climática.”
Sem obras a exibir, Dilma agora faz propaganda de um empreendimento impalpável: a “construção de um novo Brasil”. Segundo disse,”esta construção não é só física, mas também espiritual, de fortalecimento moral e ético.” Curiosamente, tratou da encrenca revelada pela Operação Lava Jato de forma tão profunda que uma formiga pode atravessar esse trecho do seu discurso com água pela canela.
“Com coragem e até sofrimento, o Brasil tem aprendido a praticar a justiça social em favor dos mais pobres, como também aplicar duramente a mão da justiça contra os corruptos”, disse Dilma, abstendo-se de comentar que 99,99% dos corruptos pertencem à sua coligação. “É isso, por exemplo, que vem acontecendo na apuração ampla, livre e rigorosa nos episódios lamentáveis contra a Petrobras”, acrescentou, como se não tivesse passado pelo Ministério de Minas e Energia e até pela presidência do Conselho de Administração da estatal.
Nessa matéria, informou o Datafolha em fevereiro, a plateia não dá refresco. A maioria dos brasileiros acha que Dilma sabia da corrupção na Petrobras (77%). E permitiu que a roubalheira corresse solta (52%).
Afora o rosto murchado pela dieta, o cabelo aloirado quimicamente e o vocabulário mais rico, Dilma tinha pouco a oferecer à audiência. “Estamos fazendo tudo com equilíbrio, de forma que tenhamos o máximo possível de correção com o mínimo possível de sacrifício”, disse, antes de prever: “Este processo vai durar o tempo que for necessário para reequilibrar a nossa economia.” A julgar pelos protestos exibidos na internet, madame não agradou.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.