domingo, 29 de março de 2015




Kátia Abreu é o terceiro turno: entre PT e PT

Foto: Waldemir Barreto/Agência SenadoFoto: Waldemir Barreto/Agência Senadoimage
A indicação da senadora pelo Tocantins Kátia Abreu para o ministério da Agricultura é, sim, digna de reclamação. Só não é digna de nenhuma surpresa. Representante do que o país tem de mais perigoso e atrasado, ela era possivelmente o nome mais certo para o ministério do segundo mandato da presidente. Quem votou Dilma votou Kátia, ponto.
Inimiga declarada dos índios, ambientalistas, quilombolas e trabalhadores rurais, apelidada Rainha da Motosserra e Miss Desmatamento, Kátia coleciona acusações de diversos calibres. Quer reverter a demarcação de terras indígenas e desqualificar a Funai. Legalizou a invasão de terras públicas na Amazônia. Como presidente da Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária, luta contra a erradicação do trabalho escravo.
Tomou terras no Tocantins, participou do leilão para armar ruralistas contra os índiosdefende o latifúndio improdutivo, tem dois irmãos envolvidos em flagrantes de escravidão no campo nos dois últimos anos. Lutou por um Código Florestal “flexível”, e defendeu em artigo o fim do salário mínimo e de direitos trabalhistas. Enfim, é a figura central do capitalismo mais truculento. Acontece que Kátia Abreu é, também, uma das figuras políticas mais próximas de Dilma Rousseff.
Em sua rápida trajetória política nacional, partindo do DEM, passando pela vice-presidência do PSD de Gilberto Kassab e desembarcando no PMDB, onde ainda é considerada “uma estranha”, Kátia deixou a oposição aguerrida ao PT para celebrar uma estranha aliança com a presidente. A crise que provocou sua saída do então recém-criado PSD foi exagerada, meio inexplicável. Não surpreenderia se houvesse a mão de Dilma nisso.
Feita sem consultas a ninguém, mas absolutamente dentro do esperado, a escolha de Kátia desagradou politicamente a base. Setores do PT protestaram (não o PT de Tocantins, onde a operação estava bem azeitada, como revela o suplente de Kátia, Donizeti Nogueira, para quem, humoristicamente, é “a elite” que fala contra Kátia). O PMDB protestou – só sossegou quando se assegurou de que a senadora não fará parte da sua cota no governo, e quer saber que ministério importante vai receber no lugar desse, já que a agricultura era da cota dos deputados do partido.
Kátia Abreu já avisou que vai ser presidente do país. Falou isso em entrevista ao jornal inglês The Guardian – que a chamou de “parlamentar mais perigosa do Brasil”. E parece ter em Dilma sua mais forte aliada. Sabe-se lá o que Dilma está pensando para as eleições presidenciais de 2022, ou 2026 (já que as de 2018 estão “reservadas” para a devolução ao padrinho Lula). De novo, não surpreenderia se Dilma estivesse se imaginando como mentora da Presidente Kátia. Os sinais de gratidão de Kátia a Dilma, que de certa forma também nunca deixou de ser uma estranha no PT, são constantes e inequívocos.
Tudo isso, obviamente, se dá na contramão do “PT de esquerda” que foi vendido na campanha eleitoral. Mas campanha é campanha, governo é governo. O eleitor dilmista que caiu no “transe esquerdista” está tendo que encarar muito rapidamente a realidade. As opções para a equipe econômica são de fazer inveja não a Marina Silva (que foi acusada falsamente de “candidata dos banqueiros”), mas ao próprio Aécio (Joaquim Levy colaborou com a campanha do senador mineiro).
A inédita desonestidade e a chantagem social da campanha petista é bem analisada em entrevistas não só com o marqueteiro de Aécio, Paulo Vasconcelos, mas também com um eleitor no segundo turno da própria Dilma, o sociólogo Rudá Ricci – que descreveu o método de desconstrução dos adversários pela “demonização”. O susto do eleitor dilmista e das organizações de esquerda ao acordar com a indicação da direitista mais truculenta do Brasil tem o tamanho desse engodo. E as reações têm sido intensas.
O caso Kátia Abreu, na verdade, representa o verdadeiro terceiro turno das eleições. Não entre PT e PSDB que, como acabamos de conferir, têm as mesmas concepções econômicas e o mesmo carinho pelo assim chamado “mercado”. Mas entre os dois PTs: o de verdade, pragmático no modo de governar, e o fantástico “PT de esquerda” que foi vendido na campanha. O caso também poderia ser chamado de “Dilma e seus dois amores”. Lula ou Kátia? A burocrata Dilma parece empenhada em interferir nas próximas eleições presidenciais mais até do que se espera dela (seguindo os passos de seu mentor Lula, que também “criou” Marina e Eduardo Campos). A acompanhar.
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