domingo, 29 de março de 2015




A culpa do mundo é nossa

Davi virjão vai esperar... até 2018Se eu fosse o marketeiro da Dilma, mandava-a ir à TV, engasgar, chorar que nem louca e sair sem dizer nada. Ela ia bater de novo nos 70% de aprovação fácil. Porque, piores que a derrota para a Alemanha no futebol, são as explicações para a derrota.
Como alguém disse neste Yahoo, os “profetas retroativos” pipocam de todos os lados. O problema é que eles falam... de dentro do problema. Não parece incomodar ninguém a dimensão bizarra que o futebol tomou como narrativa central nacional.
Eu arrisquei neste outro texto, que chamei de “Uma derrota necessária”, a suposição de que o futebol, como narrativa competitiva patriarcal, serviu a outra época. Um século onde cabia dominadores e dominados terem um “mercado psicossocial” comum, onde a assim chamada ginga dos pardos fosse valorizada e negociada com a elite branca, com vantagens para as duas partes.
Essa operação foi tão bem sucedida que acabou marcando o imaginário brasileiro, e o imaginário internacional sobre o Brasil, na segunda metade do século 20. Mas conforme avançamos no século 21, e em suas horizontalidades reais, fica mais claro que a horizontalidade simulada e dissimulada do futebol virou o pior de dois mundos.
Porque o que seriam os heróis pardos (o equivalente dos working class heroes britânicos, heróis no sentido cultural, e não marxista, de combatentes de classe) viraram celebridades pálidas, arrogantes e mimizentas, como qualquer playboy branco da pior estirpe das capitanias hereditárias.
Há uma ruptura aí entre a geração de Romário (que tem ginga e combatividade) e a de Ronaldo. Essa “celebridade” oportunista da amizade com Aécio, de um patético casamento com Daniella Cicarelli celebrado no castelo de Chantilly (mole e branco que é) que durou apenas três meses (depois saberíamos de seus hábitos hipócritas). Da incrível corrupção que é estar ao mesmo tempo com o governo, com a oposição, com a Fifa, com a CBF e com a Globo, manobrando dinheiro e influência e sem prestar contas a ninguém.
Neymar não está “sendo preparado” para ser coisa melhor, pelo contrário. Amigo do playboy-mór Luciano Huck, lacaio do mundo do marketing e da publicidade, se prestou à absurda operação de ser sagrado como craque-salvador-mulek-lek-lek, quando na verdade é um playboyzinho machista típico da cultura do estupro. Até em seu momento mais dramático na copa usou e foi usado pela publicidade.
Como escreveu Milly Lacombe, com conhecimento de bastidor: "Neymar é um produto e nada nele soa autêntico. Do cabelo à cueca, passando pelas simulações e pelas caras e bocas, absolutamente nada ali me seduz. O novo rei da raça, David Luiz, também não. São, obviamente, jogadores muito acima da média, mas até a raça que David Luiz vomitou em todos os jogos me soa levemente exagerada e fabricada. Porque o ambiente da CBF, uma corporação que preza o dinheiro e o luxo e a arrogância, contamina absolutamente tudo que nela encosta, de jogadores a assessores de imprensa, passando por treinadores e entrevistas coletivas".
O “bom menino” David Luiz é a outra face da moeda. Neopentecostal, puxa as rezas no escrete e faz campanha pela castidade (!). Não deve ter dificuldades em esperar por 2018. Já a civilizada Alemanha fez tudo certo. Treinaram na Bahia, num calor realista, e não na européia Teresópolis. Confraternizaram com simplicidade, na hora de confraternizar, mas treinaram e estudaram com afinco. E consta que substituem rezas por uma hora diária de meditação. Nada de investir no “pensamento mágico” e da autoajuda vazia a la Felipão.
Além desses citados podemos pinçar do circo do futebol toda sorte de arrogantes lamentáveis: Marin, Galvão, a própria Dilma, que teve a idéia insensata de embarcar na aventura populista da “melhor copa de todos os tempos”. Porque para o brasileiro truculento, a melhor copa de todos os tempos é exclusivamente a que ele (?), eunuco furioso, vence (?).
É por isso que, assim como antes da derrota para a Alemanha, questões bestas como a do choro dos jogadores se espiralavam em discussões descabidas e intermináveis, agora é a “humilhação” desse ser improvável, o “hooligan dos sentimentos”, que se enrola sobre si mesma várias vezes numa trama inextricável.
Um mimimi de macho de proporções épicas; um grito de desespero para o nada. Não há “psicóloga da seleção” que resolva. Teve copa, mas ficou sem o final (simbólico). Só o custo-oportunismo, o custo-populismo, o custo-pensamento-mágico-falhado. (Aqui um exemplo caricato sensacional; nem o guarda sabe se solta ou se enche de porrada.)
Ora, mas quem mesmo foi derrotado, cara pálida? Só um macho imbecil que acha que o futebol ainda tem alguma importância como narrativa central da brasilidade. O apagão dos seis minutos durante o jogo foi o bug na matrix, o vislumbre de que nada disso vale. Por sorte do outro lado estava uma Alemanha disciplinada o suficiente pra marcar vários antes de perguntar que diabos estava acontecendo – pergunta que a Alemanha está se fazendo até agora, com uma sobriedade nada argentina.
Me espantam os artigos e matérias na TV sobre “como agir com as crianças deprimidas pela derrota” – porque nenhum deles considera a hipótese de ensinar pras crianças que futebol não significa nada, e quem torce “a sério” é um infeliz surtado. Pensando bem, acho que não estão falando das crianças, é só um subterfúgio.
É por isso que, se eu fosse o marketeiro de Dilma, mandava-a encarnar uma mater dolorosa, a mãe da culpa e da punição. A culpa do mundo é nossa. Seria o único arquétipo compreensível (e vendável) no meio desse mimimi de macho do século passado colapsado.

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