Estou vivendo em dois mundos paralelos e não-comunicantes. Desço para a padaria, para a feira, tomo o ônibus, e o que eu escuto é “Dilma vai perder para a Marina”. Às vezes nem “Marina” é, é a “outra lá”. Isso é feio? Não acho. A narrativa popular é a narrativa popular. Quem elegeu Lula e o sustentou muitos anos no poder foi a narrativa popular, e não foi um ideário, err, socialista. Nem nada parecido.
Foto: Reprodução
É claro que a narrativa popular não é inimiga de ideais como os de justiça e de bem estar social. Ela só não fetichiza isso na forma de programas, compromissos escritos e outros “yanguismos” (da polaridade taoista yin, o intuitivo, obscuro, feminino etc; e yang, o lógico, regrado, masculino etc).
É claro que a narrativa popular não é inimiga de ideais como os de justiça e de bem estar social. Ela só não fetichiza isso na forma de programas, compromissos escritos e outros “yanguismos” (da polaridade taoista yin, o intuitivo, obscuro, feminino etc; e yang, o lógico, regrado, masculino etc).
Aí, quando me conecto com as redes sociais, estou em outro mundo. Nesse outro mundo, entre 6ª e sábado, Marina ganhou e perdeu as eleições. Ganhou as eleições ao lançar seu programa, que continha um forte capítulo em defesa de ideais GLBT, conquistando imediatamente manifestações de apoio, entre outras, de Jean Wyllys e Laerte. E perdeu as eleições no sábado, ao lançar uma “correção” do programa, que ainda o deixa o mais forte nesse tópico entre os três principais candidatos, mas relativiza em alguns pontos sensíveis, como o do casamento gay.
A campanha de Marina diz que foi uma simples correção na compilação das colaborações de que o programa foi alinhavado. Acontece que, na véspera, numa série de twítes truculentos, o pastor-brucutu Silas Malafaia ameaçou Marina com “a mais dura fala que já dei até hoje sobre um presidenciável”. Se a coordenação do programa tinha errado mesmo, a última coisa que deveria ter feito era uma correção.
Abriu espaço para falas, cheias de razão, como as de Wyllys (“Bastaram quatro tuítes do pastor Malafaia para que, em apenas 24 horas, a candidata se esquecesse dos compromissos de ontem, anunciados em um ato público transmitido por televisão […] Marina, você brincou com a esperança de milhões de pessoas!”) e Laerte (“Campanha de Marina corrige os termos do plano. Ufa! Que alívio, ein? Íamos ter que rever nossos firmes posicionamentos!”). Em seu melhor momento, assumindo a liderança nas pesquisas e conquistando apoios inusitados, Marina piscou.
Acontece que, na semana passada, o PT determinou que os escalões do partido no governo, a militância e as organizações próximas bombardeassem Marina com absolutamente qualquer argumentação. Fosse verdade, meia-verdade ou mentira pura. Vi desde alegadas “ligações com Serra”, “desmatamento disparando quando ela foi ministra do meio ambiente” (na verdade diminuiu, era a principal pauta dela), o economista André Lara Resende identificado como “economista do Collor” (não era), a coordenadora de campanha Neca Setubal “responsável pela divida inteira do Itaú” (como se ela fosse controladora do banco, e não educadora e dona de 1 ou 2% dele).
As patrulhas petistas falaram do apoio do colunista Diogo Mainardi – que não é exatamente um apoio, visto que ele promete retirar o apoio no dia seguinte à posse. O texto tem sua graça e, de um ponto de vista mais à direita, não diz nenhum absurdo. Mas a mais bizarra acusação é atribuir a candidatura de Marina (e o acidente que matou Eduardo Campos) a uma conspiração financeiro-sionista internacional.
Essa tentativa de desconstruir a candidatura Marina a qualquer custo, em nome do “projeto de esquerda” (cof cof) petista se reforçou bastante com o vacilo da “errata” do programa. Acontece que isso vale apenas para as redes sociais. No mundo “exterior”, Marina não é essa criação lógica e programática. É um personagem empolgante, cheio de qualidades populares (e aí o termo popular não tem nada a ver com a acepção marxista do termo). Quem vota nela sem muita explicação não é ignorante, apenas está intuindo um caminho – que vá além de onde Lula flopou. Ela é mulher, negra com um quê de indígena, tardiamente alfabetizada, combativa, uma sobrevivente de verdade. Marina piscou – só que não.
Mais do que isso, ela atendeu uma demanda política que efetivamente existia. No começo de maio, publiquei este texto, chamado Porque Dilma não vai se reeleger. Chamaram de “wishful thinking” (um “querer que aconteça”). Os números hoje concordam com a minha especução, desenvolvida aqui (Um golpe de [da] morte na candidatura Dilma?) e aqui (O sorriso de Marina [uma novela]). Marina encarna hoje o que eu gosto de chamar de “projeto pardo”, esse funcionamento meio tribal, flutuante e bastante intuitivo de uma parte da sociedade brasileira. Que o “projeto branco”, rei da cagação de regras, tem uma grande dificuldade em entender. O jornalista Fernando Rodrigues relata que o próprio Zé Dirceu (que desmentiu) estaria entendendo que Marina já ganhou, por ser “o Lula de saias”.
Além de Lula de saias, num certo sentido Marina é a “Dilma de verdade”. Era ministra, estava disponível, próxima de Lula – assim como o próprio Eduardo Campos era ministro e tinha em Lula um mentor, mesmo sendo de outro partido – e foi preterida em função da invenção de Dilma, que não tinha um grande histórico, depois de ter militado contra a ditadura e ter sido presa. O feito mais empolgande de Dilma é ter falido uma loja tipo R$ 1,99 em 1996, em Porto Alegre.
Assim, Lula (mesmo que não goste disso), é o roteirista desse segundo turno: por ter inventado Dilma, claro, mas também por ter sonegado continuidade política à carreira de Marina, e de Eduardo. Claro que também pesou o PT ter mexido os pauzinhos para a Justiça Eleitoral negar registro à Rede Sustentabilidade de Marina, no final do ano passado. Ela aderiu furiosa à chapa de Eduardo, acusando o chavismo do PT, e deu no que deu. Na vitória de Marina para presidente.
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